Diante
do contexto da expansão econômica do país com aquisições de bens duráveis e de
alto valor, os contratos com cláusula de alienação fiduciária se tornam mais
comuns devido a sua facilidade na aquisição, além dos imóveis participam dessa
facilidade aqueles tão sonhados objetos da necessidade diária da vida moderna,
como por exemplo, o automóvel.
Trata-se
de um negócio jurídico entre aquele que vende a coisa e aquele que recebe sua
posse e propriedade resolúvel ou indireta, ficando este último obrigado a pagar
o preço, em prestações, à instituição financeira interveniente.
Não
obstante a clareza da definição legal acerca da natureza jurídica da alienação
fiduciária – isto é, direito real de garantia -, não é pacífica a doutrina
quanto aos exatos limites do instituto, sendo tratado, de um lado como direito
real de garantia sobre coisa própria, ou seja, o direito real de garantia é
consubstanciado na propriedade do bem, e de outro como incidência de garantia
sobre coisa alheia, e, nesse caso, a alienação fiduciária não ultrapassa, na
sua constituição, o âmbito do direito real de garantia, como se depreende das
opiniões de respeitáveis estudiosos do tema.
Devido
a isso esses contratos além dos benefícios que traz muitas vezes ocasionam
desacordos em função do seu não cumprimento conforme estipulado, levando as
partes contratantes buscarem a intervenção do Estado na resolução de suas
lides.
2
DESENVOLVIMENTO
2.1
Evolução Histórica
Diferentemente
dos dias atuais, no Direito Romano a alienação fiduciária tinha um outro
conceito e finalidade. Por Fiducia,
entendia-se como um contrato de confiança, onde pessoas passavam seus bens a
outras com o intuito de protegê-los de circunstâncias aleatórias, com a ressalva
de serem esses devolvidos quando entendia o proprietário que não necessitava
mais dessa medida acautelatória. Era conhecida como fiducia cum amico e
não tinha finalidade de garantia. Mas essa modalidade se transformou passando a
ser a chamada fiducia cum creditore, onde o devedor transferia a propriedade do bem ao
credor até que efetuasse o pagamento da dívida.
Regulamentado
no Brasil na década de 60, surgiu com a Lei nº 4.728, artigo 66, de 14 de julho
de 1965, que regulou o mercado de capitais visando crescimento econômico,
dinamizando o financiamento de bens móveis, atribuindo como garantia da
instituição que empresta o dinheiro a propriedade do bem.
Com
advento da Lei nº 4.728/65 surgiu a possibilidade de ação de retomada da coisa
em favor do proprietário, no caso do não-pagamento por parte do possuidor, que
alienara a coisa fiduciariamente em garantia.
Foi
criada a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, dispondo sobre o Sistema de
Financiamento Imobiliário, instituindo a alienação fiduciária de coisa imóvel,
dando maior amplitude ao instituto, e mais recentemente, em agosto de 2004
entrou em vigor a Lei 10.931, que introduziu ao Código Civil o art.
1.1368-A com importantes modificações no habitual modo de tratamento do regime
da alienação fiduciária de bens móveis e imóveis.
2.2
Conceito
“A
alienação fiduciária em garantia consiste na transferência feita pelo devedor
ao credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem infungível
(CC, art. 1.361) ou de um bem imóvel (Lei n. 9.514/97, arts. 22 a 33), como
garantia de seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplento
da obrigação, ou melhor, com o pagamento da dívida garantida”
“Ao
ser contratada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante transmite a
propriedade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do seu direito de
propriedade; em decorrência dessa contratação, constitui-se em favor do
credor-fiduciário uma propriedade resolúvel; por força dessa estruturação, o
devedor-fiduciante é investido na qualidade de proprietário sob condição
suspensiva, e pode tornar-se novamente titular da propriedade plena ao
implementar a condição de pagamento da dívida que constitui objeto do contrato
principal.”[1]
Constitui-se
um direito real de garantia tendo como objeto a transferência da propriedade de
coisa móvel, mas com a finalidade de garantir o cumprimento de obrigação
assumida pelo devedor fiduciário, frente a instituição financeira que lhe
concedeu o financiamento para a aquisição de um bem.
Tratando-se
de direito real de garantia, a propriedade fiduciária é direito acessório,
destinado que é a garantir a satisfação de crédito, a ela se aplicando. Seu
campo de aplicação, portanto, restringe-se ao da garantia do cumprimento das
obrigações contratuais decorrentes de empréstimos ou financiamentos, e por ele
o credor adquire, em confiança, o domínio de certo bens, sob a condição
resolutiva de devolvê-la ao devedor quando for paga a divida. Efetuado o
pagamento do débito, o fiduciário devolve bem automaticamente ao fiduciante. Ao
contrário, em não se efetuando o pagamento do crédito deve o fiduciário vender
a coisa a terceiros e aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e
das despesas decorrentes da cobrança, entregando ao devedor o saldo porventura
apurado, se houver (art. 66, 4 da Lei n 4.728/65, com redação do Decreto Lei
911/69). É vedado o pacto comissório, sendo a propriedade do credor onerada com
um encargo, pois, deixando o devedor de pagar, o credor recupera a posse do
bem, mas com o encargo de vendê-lo para, com o produto da venda, satisfazer o
seu crédito.
Desde
o Direito Romano até os dias de hoje, conforme se encontra em diversas obras,
como a de Miguel Maria Lopes[2],
sempre se buscou conceituar o contrato. Em todas elas, podem-se constatar dois
pontos em comum: o acordo ou manifestação de vontades e o objetivo de se
produzir um direito ou efeito jurídico com esse acordo de vontades.
Encontra-se
na obra de Silvio Rodrigues[3],
a definição empregada por Clóvis Beviláqua, onde ele afirma que “[...] o
contrato é o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar
ou extinguir direitos”.
Lopes[4],
além de também citar a definição acima, comenta sobre a opinião de Lacerda de
Almeida, onde este, antevendo o movimento socialista do direito, ressalta a
necessidade de ser substituído o individualismo abstrato e inorgânico por um
individualismo embebido de forma orgânica no destino social do Estado, em razão
do que conclui afirmando que:
“[...]
o contrato não é mais o que ensinavam os compêndios – o simples resultado de
duas vontades que se combinam, mas, no dizer de Laband, nas suas observações ao
então projeto do Código Civil, o acordo em que cada uma das partes deve prestar
aquilo a que se obrigou, uma vez que não vá de encontro a proibição legal ou
preceito imperativo da moral.”
2.3
Características
Negócio
jurídico bilateral, por conter no contrato de alienação fiduciária duas partes:
o credor fiduciário que é a empresa administradora de consórcio, ou a
instituição financeira e o devedor fiduciário que é aquele a quem é concedido o
financiamento direto. O vendedor, ou seja, aquele que firma o contrato de
compra e venda de bem de produção, não figura nesse contrato de garantia, uma
vez que ele é celebrado entre a entidade ou empresa financiadora e o devedor.
Nesse
sentido, no entender de Orlando Gomes[5],
contrato é o negócio jurídico bilateral ou plurilateral que sujeita as partes à
observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam.
Pressupõe declarações de vontades coincidentes, emitidas pelas partes.
Para
Arnoldo Wald[6],
trata-se de um ato jurídico bilateral, pois depende de duas declarações de
vontade, no mínimo, e visa criar, modificar ou extinguir obrigações (direitos
relativos de conteúdo patrimonial).
Apontam-se
os registros de Caio Mario Pereira[7],
que define contrato como o acordo de vontades com a finalidade de produzir
efeitos jurídicos; mais adiante, acrescenta:
“O
mundo moderno é o mundo do contrato e a vida moderna o é também, e em tal alta
escala que, se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual na
civilização de nosso tempo a conseqüência seria a estagnação da vida social. O
homo aeconomicus estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a
subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a
atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários.“
Nas
palavras de Nelson Nery e Nery Junior[8],
trata-se de “[...] negócio jurídico bilateral (ou plurilateral), cuja
finalidade é criar, regular, modificar ou extinguir vínculo jurídico patrimonial
entre as pessoas que o celebram”.
Finalizando,
Orlando Gomes[9] afirma
que o contrato exerce uma função social, o que significa, de forma resumida,
que deve ser socialmente útil, de modo que haja interesse público em sua
tutela.
Entende-se
que o conceito trazido por Gomes[10] é o que melhor se ajusta a esse negócio jurídico
que regula a vida em sociedade, pois, além de submeter as partes a uma conduta
idônea, a fim de que alcancem os interesses estabelecidos naquela declaração de
vontade, exerce também a sua função social, na medida em que existe o interesse
público em tutelá-lo.
Desta
forma, pode-se verificar que desde o início do século passado, procurou-se
evidenciar a função social do contrato, ressaltando nesse acordo de vontades,
não só o aspecto individual, mas também os seus efeitos dentro da sociedade.
É
formal, porque consiste em negócio jurídico celebrado por instrumento escrito,
público ou particular e o registro desse deve ser feito no Registro de Títulos
e Documentos do domicílio do devedor, ou em se tratando de veículos, na
repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no
certificado de registro.
Segundo
Izner Garcia[11],
um contrato só existe a partir do estabelecimento do vínculo obrigacional e do
acordo de vontades e segue informando que este vínculo obrigacional é a
garantia que o sistema jurídico outorga aos contratantes de que aquele acordo
de vontades, uma vez celebrado, sendo seu objeto lícito, sendo suas partes
capazes e sua forma permitida ou não defesa em lei, será cumprido ou, se não, a
parte credora poderá compelir a parte devedora ao seu cumprimento.
Também
caracteriza-se a sua formalidade, quando é aplicada a norma do art. 4º, do
Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, uma vez que equipara o devedor
fiduciante ao depositário com a responsabilidade do art. 652 do Código Civil.
Se
o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do
devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão,
nos mesmos autos em ação de depósito, na forma prevista no Capitulo II do Livro
IV do Código de Processo Civil.
2.4
O Mútuo
O
mútuo, conforme previsão expressa no Código Civil em seu artigo 586, in verbis:
“é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao
mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
Ele se encontra disciplinado nos artigos 586 a 592 do referido diploma legal e
normalmente é feito em dinheiro.
Para
Maria Helena Diniz[12],
“[...] é o contrato pelo qual um dos contratantes transfere a propriedade do
bem fungível ao outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero,
qualidade e quantidade”.
Por
coisa fungível, segundo definição do Código Civil brasileiro e constante em seu
artigo 85, tem-se: “São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros
da mesma espécie, qualidade e quantidade”.
Portanto,
o mutuário não tem obrigação de devolver a mesma coisa recebida e sim coisa da
mesma espécie.
No
entendimento de Luz[13],
o mútuo é o empréstimo de coisa fungível e consumível e trata-se de um
empréstimo de consumo. Nele, o mutuante abre mão do uso e gozo da coisa em troca
de rendimento. Em contrapartida, o mutuário usa essa coisa e dela usufrui; no
entanto, precisa pagar por isso.
No
Código Civil de 1916, artigo 1.262, a cobrança de juros ao empréstimo de
dinheiro, só era permitida mediante cláusula expressa. Portanto, na falta de
previsão, presumia-se o mútuo gratuito.
De
forma inteligente evoluiu o Código Civil de 2002, ao revestir o mútuo da
presunção de onerosidade, quando destinado a fins econômicos.
O
artigo 591 ficou assim redigido, in verbis:
“Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais,
sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406,
permitida a capitalização anual.”
Desta
forma, qualquer contrato de mútuo com fins econômicos, e aqui se enquadra o financiamento
habitacional, presume-se oneroso.
Entende-se
ser inconcebível a utilização de capital alheio sem a devida remuneração para
tanto. Trata-se do mútuo feneratício ou oneroso.
Segundo
Maria Helena Diniz[14]:
“Os
juros nada mais são do que o rendimento do capital; é o preço pelo uso do
capital alheio, em razão da privação deste pelo dono. Os juros remuneram o
credor por ficar privado de seu capital, pagando lhe o risco de não mais o
receber de volta”
A
autora acrescenta, ainda, que ele é decorrente da utilização consentida do
capital alheio, estando preestabelecido em contrato, onde as partes fixam os
limites de seu proveito, enquanto durar o negócio jurídico.
No
mútuo oneroso, o juro que se cobra, além de ser um aluguel do dinheiro, é
também o risco corrido pelo mutuante até a solução integral do contrato. Os
juros são o fruto e o proveito tirado do dinheiro emprestado; trata-se de uma
compensação concedida ao mutuante pela indisponibilidade da coisa, quer dizer,
pelo uso que dela fez o mutuário. Neste caso, eles são chamados de juros
compensatórios, tendo em vista a utilização permitida do capital alheio. Como
bem ressaltado por Arnaldo Rizzardo[15],
eles incidem desde o momento da entrega da coisa ao mutuário.
Tem-se
também os juros moratórios que, segundo Nelson Nery e Nery Junior[16],
observação 3 ao artigo 591, “[...] têm natureza jurídica de indenização.
Constitui pena imposta ao devedor pelo atraso no cumprimento da obrigação
[...]”, ou seja, pela demora no adimplemento do contrato. A partir do momento
em que houve atraso na devolução do capital, devidos se tornam os juros
moratórios.
No
âmbito do mútuo foi que o comércio bancário se desenvolveu de forma extraordinária,
como noticia Pereira[17],
e um dos empréstimos que adquiriu grande incremento foi o contrato de
financiamento, onde o banco obriga-se a fornecer numerário para que o
contratante adquira um bem determinado.
O
empréstimo bancário, aqui especificado pelo financiamento habitacional, será
sempre com finalidade econômica, pois constitui atividade habitual dos bancos
concederem empréstimos a empresas e a clientes não empresários, como é o caso
dos mutuários de financiamentos para a casa própria.
Conforme
entendimento de Monteiro[18],
os empréstimos nos dias atuais só se efetuam mediante pagamento de juros, e a
prática freqüente do empréstimo de dinheiro, a profissão habitual desse
negócio, em troca de juros, constitui um dos mais importantes aspectos do
comércio bancário.
Segue
informando o doutrinador que, no tocante aos juros bancários, seus percentuais,
formas de remuneração de serviços e operações dos estabelecimentos bancários,
eles são regidos pelas determinações emanadas do Conselho Monetário Nacional
(CMN), ou seja, trata-se de regulamentações de ordem pública e que não podem
ser alteradas pelas partes.
Segundo
Menezes[19],
Juiz do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, a primeira noção a ser
considerada é a de cumprimento do contrato de mútuo, considerando a coisa como
o dinheiro emprestado a fim de que a pessoa possa adquirir o seu imóvel
habitacional, ou seja, o mutuário é
obrigado
a devolver os valores emprestados (a coisa) no mesmo gênero, qualidade e
quantidade.
Segue
o magistrado:
“[...]
o dinheiro é uma mercadoria cara no mercado e caso alguém necessite ter acesso
a um bem da vida, no caso em questão a casa própria e não tem economias para
bancar a operação, terá que tomar dinheiro emprestado de alguém, pagando
necessariamente seu custo cobrado pelo mercado financeiro, ou seja, a devolução
plena dos valores emprestados que envolvem com rigor a correção monetária, os
juros e outros itens do custo da mercadoria. Os agentes financeiros são apenas
os intermediários dessas operações, na medida em que emprestam o dinheiro dos
seus clientes. Desta forma, se são obrigados a pagar ao titular da poupança ou
da conta vinculada do FGTS certo rendimento mensal, é imprescindível que cobrem
no mínimo o mesmo porcentual do mutuário, para que o contrato continue a ser
comutativo. Existe a obrigação de devolver a coisa no mesmo gênero, qualidade e
quantidade, pois, caso contrário, poderá ocasionar uma conseqüência desastrosa:
o descasamento entre o ativo e o passivo, desequilibrando as duas vertentes
estruturais do crédito imobiliário”.
O
financiamento habitacional, como contrato de mútuo que é, nos termos dos
artigos 586 e seguintes do Código Civil, destina-se a fins econômicos e,
portanto, a cobrança da taxa de juros é presumida. Assim sendo, o mutuário que
tomar emprestado a coisa fungível, ou seja, o dinheiro para aquisição de sua
moradia, deverá efetuar a sua devolução no mesmo gênero, qualidade e
quantidade.
Portanto,
não obstante o referido tipo de financiamento ter por objetivo permitir o
acesso à moradia do maior número de pessoas possíveis, cumprindo com isso sua
função social, ele não é revestido de caráter assistencialista ou gratuito e o
seu pagamento, ou melhor, a devolução ao mutuante do dinheiro entregue ao
mutuário, deve ser remunerado na mesma moeda e nos mesmos padrões em que fora
emprestado.
Reforçando
essa idéia, cita-se também o posicionamento de Diniz[20],
acerca da adimplência da obrigação, onde ela sustenta ser esta a regra e o
inadimplemento, a exceção. E acrescenta, dizendo tratar-se de uma patologia no
direito obrigacional, que representa um rompimento da harmonia social, capaz de
provocar a reação do credor.
Como
muitas vezes os mutuários se tornam inadimplentes ou são iludidos por teses de
que o mútuo estaria quitado muito tempo antes do término do prazo contratado,
milhares de ações lotam o Poder Judiciário, sob o argumento, entre outros, de
que existe capitalização de juros no sistema de amortização utilizado nos
financiamentos habitacionais.
2.5
Os Juros
Neste
contexto que versa sobre o sistema financeiro de habitação, o direito
constitucional de moradia, a função social do contrato, o mútuo e a sua
onerosidade, faz-se necessária a abordagem de um tema bastante polêmico e que
vem sustentando milhares de ações judiciais: a capitalização de juros nos
financiamentos habitacionais.
Não
obstante tratar-se de um tema ligado à matemática financeira, o que por si só
já seria suficiente para não gerar muita discussão sobre o tema, mesmo com toda
a sua complexidade, tendo em vista pertencer a um ramo das ciências exatas,
esse assunto tem gerado diversas teses e posicionamentos nas ciências
jurídicas, bem como tem sido motivo de longos debates nos tribunais.
De
acordo com definição, capitalizar é “converter em capital, adicionar ao
capital”[21]
Assim
sendo, capitalizar juros ou contar juros dos juros nada mais é do que cobrar
juros sobre os próprios juros, ou seja, quando referida parcela não é paga no
seu vencimento, ela é incorporada ao capital, passando a integrar a base de
cálculo dos juros para os períodos seguintes.
Ocorre
que, uma das maiores alegações é que o sistema de amortização adotado em grande
parte dos mútuos habitacionais, a Tabela Price ou Sistema Francês de
Amortização seria o grande responsável pela capitalização de juros, o que o
tornaria impróprio para ser aplicado em tais financiamentos.
Desta
forma, cabe ressaltar o que fora citado por Rezende[22] em nota técnica encaminhada ao Superior Tribunal de
Justiça em 22 de abril de 2003, nos autos 2.001.70.00.00930-7 – Hênio Van Der
Broocke Campos, quando ele informa que um sistema de amortização é, antes de
tudo, um modelo matemático estando, portanto, constituído de um conjunto de equações
destinadas a descrever sua estrutura e garantir a sua consistência e, de uma
maneira geral, qualquer fluxo de pagamentos para liquidar um empréstimo é um
sistema de amortização. Qualquer esquema utilizado para definir a forma de
quitação de um financiamento deverá ser constituído de uma parcela de
amortização e juros e fazer com que o valor do financiamento seja completamente
resgatado dentro do prazo contratado e, também, que o custo do dinheiro, para o
tomador, seja igual à taxa de juros contratada.
Sintetizando,
esclarece que, desde que a série de pagamentos ou recebimentos faça com que o
custo do dinheiro para o tomador e a remuneração para o financiador, seja igual
à taxa de juros contratada, teremos a figura do sistema de amortização e, desta
forma, é possível se estruturar infinitos modelos de sistemas de amortização
que, entre outras características, o pagamento se faça por meio de prestações
iguais e sucessivas, compostas de amortização crescente e juros decrescentes,
ou seja, condições atendidas pela Tabela Price.
Diante
de todos os aspectos mencionados, pudemos verificar que a questão da
capitalização de juros na Tabela Price, mais que um conhecimento jurídico da
matéria, exige também um estudo técnico-científico sobre o assunto, ligado intimamente
à matemática financeira.
Segundo
Rezende[23],
a simples percepção desses aspectos elementares a respeito da cobrança de juros
sobre juros, demonstrando que a única hipótese de ocorrer capitalização dos
juros é que estes não sejam pagos, mas incorporados ao saldo devedor, deveria
ser mais do que suficiente para reduzir a discussão, no âmbito jurídico, a
tão-somente aquele universo de contratos que apresentam “amortização negativa”.
No
entanto, não é isso que ocorre de forma costumeira.
Depara-se
com casos que, para uma mesma operação, pode-se encontrar uma infinidade de
modelos, cada qual chegando a um resultado diferente, onde as regras da
matemática financeira são ignoradas e se produzem sérias distorções,
especialmente no que diz respeito à real taxa de juros.
Como
bem mostrado até agora, o saldo devedor é corrigido única e tão somente pelos
índices de atualização monetária que incidem sobre as cadernetas de poupança ou
sobre as contas do FGTS, conforme a fonte de recurso em que o dinheiro foi
captado pelo agente financeiro. Não há, em hipótese alguma, o acréscimo dos
juros que são remunerados tais ativos financeiros.
Neste
aspecto, vale fazer uma distinção bem clara entre correção monetária e taxa de
juros. Para os leigos, correção monetária e taxa de juros poderiam, num
primeiro momento, ter o mesmo significado e não caberia distinção alguma entre
ambas. No entanto, elas são bastante distintas entre si, cada uma com suas
finalidades e características próprias.
Segundo
definição contida no Dicionário Aurélio[24],
a correção monetária “[...] é o mecanismo para compensar o efeito da inflação
sobre depósitos de poupança, títulos do Governo etc., pelo aumento periódico do
valor nominal destes, segundo um índice de preços”.
Quanto
à taxa de juros, ela nada mais é do que o preço que o tomador paga pelo uso do
capital alheio. Conforme consta no Dicionário Aurélio[25],
é “[...] a relação porcentual entre os juros cobrados, por período de tempo, e
o capital emprestado”.
Ao
se buscar um financiamento, o mutuário contrai um empréstimo em dinheiro junto
ao agente financeiro e estes firmam um contrato lícito que estabelece, entre
outras coisas, o custo que o dinheiro terá para o tomador. Desta forma, parte
da prestação mensal é destinada ao pagamento da parcela de juros e a outra para
a amortização da dívida.
Tendo
em vista tratar-se de um empréstimo de longo prazo, muitas alterações ocorrem
na vida das pessoas nesse período, como mudança ou perda de emprego e alteração
da capacidade de pagamento.
No
entanto, como bem lembrou Rodrigues Junior[26],
a superveniência de condições pessoais adversas, que dizem respeito ao
patrimônio do devedor ou às condições de sua existência material, não pode ser
invocada como impossibilidade econômica e assim, admitir-se a imprevisão.
Nesse
sentido, Luz[27] sustenta uma política de controle sobre a taxação
dos juros bancários, mas que tal atividade não ultrapasse os limites que possam
desencadear o desestímulo à atividade econômica, de tal sorte que há que buscar
o disciplinamento, a fim de se trabalhar em condições favoráveis à coletividade
e ao país, bem como possam trazer reflexos úteis à totalidade dos agentes.
E
conclui que a coletividade não deve ficar subordinada a interesses privados em
negócios que permeie a necessidade pública de satisfação, em que haja objetivos
sociais a cumprir-se.
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dessa
forma, conclui-se que, o contrato de alienação com garantia fiduciária,
-carro-chefe- da expansão imobiliária pelo Sistema Financeiro de Habitação
desde seu início teve uma finalidade eminentemente social.
Entretanto
com a preocupação, cada vez comum, dos mutuários com o saldo residual ao término
do prazo contratado foi criado o FCVS, com a finalidade de assumir e quitar o
saldo remanescente ao final do contrato.
Contudo,
principalmente os mutuário que não usufruíam do FCVS recorria ao Judiciário
como forma de suspender o pagamento das prestações e com isso, morar-se de
forma gratuita num imóvel que poderia ser utilizado por outra família mediante
o justo pagamento. Tal situação por certo é suportada pela sociedade que se vê
obrigada a absorver mais este prejuízo.
Assim,
e tendo em vist2a que as obrigações suportadas pelo FCVS foram muito superiores
ao total das contribuições dos mutuários, tal benefício foi extinto a partir da
criação da Lei 8.692/93.
Quando
se contrata um mútuo, que é um empréstimo de coisa fungível, há que se
devolvê-lo na mesma espécie e com o pagamento de juros pela utilização do
capital alheio.
No
caso específico do mútuo habitacional, na medida em que os mutuários solvem os
seus empréstimos, o agente financeiro capta mais recursos e novos
financiamentos podem ser concedidos. No entanto, nota-se que muitos desses
mútuos habitacionais não são quitados sob a argumentação da existência da
capitalização de juros no SFH, em decorrência da aplicação da Tabela Price.
O
que se pode verificar com a apresentação deste artigo é que a capitalização de
juros não existe no SFH, quer com a aplicação da Tabela Price ou qualquer outro
sistema de amortização, pois, a prestação que se paga todo mês, uma parte dela
já é destinada a pagar os juros mensais e a outra é utilizada para amortizar a
dívida.
Essa
visão desvirtuada da capitalização de juros no SFH, fez com que ações judiciais
fossem propostas, com base em teses equivocadas sobre a sua aplicação, bem como
na forma de cálculo da prestação inicial do mútuo, com a desconsideração total
das regras da matemática financeira.
Entende-se
que essa distorção não pode ser acolhida pelo Judiciário, sob pena de resultar
num cenário de incerteza, além de provocar a escassez de recursos para o
crédito imobiliário, tendo em vista a retração dos investidores neste setor,
bem como a elevação do custo do dinheiro.
Espera-se
com isso que a segurança das relações jurídicas possa ser preservada e que mais
investidores sejam atraídos para o crédito imobiliário, o que certamente
barateará o custo do dinheiro emprestado, permitirá que mais famílias tenham
acesso a um financiamento imobiliário a partir de um planejamento prévio e
consigam desta forma, adquirir a tão sonhada casa própria, que se acredita ser
sinônimo de segurança e estabilidade social.
Jurisprudência
Alienação x transferência do bem
Muitas são as possibilidades de um contrato de alienação ir parar na Justiça. Uma delas é quando o bem é transferido a outra pessoa, sem que o credor, aquele a quem o bem está alienado, tenha conhecimento do fato.
A Quarta Turma, no julgamento do REsp 881.270, apreciou uma questão em que uma pessoa que detinha a posse de um automóvel sem a ciência da financeira, pretendia ver reconhecido o usucapião sobre o bem. A Turma pacificou o entendimento de que a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), é ato de clandestinidade incapaz de motivar a posse (artigo 1.208 do Código Civil de 2002), sendo por isso impossível a aquisição do bem por usucapião.
Em caso idêntico, a Terceira Turma já havia decidido que a posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião pelo adquirente ou pelo cessionário deste, pois a posse pertence ao fiduciante que, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem até que o financiamento seja pago.
Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, com o entendimento pacificado pelas duas Turmas de Direito Privado do STJ, o Judiciário fecha as portas para o uso indiscriminado do instituto do usucapião: “A prosperar a pretensão deduzida nos autos – e aqui não se está a cogitar de má-fé no caso concreto –, abrir-se-ia uma porta larga para se engendrar ardis de toda sorte, tudo com o escopo de se furtar o devedor a pagar a dívida antes contraída. Bastaria a utilização de um intermediário para a compra do veículo e a simulação de uma “transferência” a terceiro com paradeiro até então “desconhecido”, para se requerer, escoado o prazo legal, o usucapião do bem”.
O ministro ressaltou, ainda, que, como nos contratos com alienação fiduciária em garantia o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem são inerentes ao próprio contrato, a transferência da posse direta a terceiros deve ser precedida de autorização porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do credor fiduciário.
“Portanto, quando o bem, garantia da dívida, é transferido a terceiro pelo devedor fiduciante, sem consentimento do credor fiduciário, deve a apreensão do bem pelo terceiro ser considerada como ato clandestino, por ser praticado às ocultas de quem se interessaria pela recuperação do bem”, destacou.
Já no REsp 686.932, a Primeira Turma concluiu que o registro do contrato de alienação fiduciária no Cartório de Títulos e Documentos, previsto na Lei de Registros Públicos, não oferece condição para a transferência da propriedade do bem, procedimento tendente a emprestar publicidade e efeito ao ato. Assim, os ministros negaram recurso da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) contra o Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Paraná (Detran/PR).
O relator, ministro Luiz Fux, destacou a eficácia do registro no licenciamento do veículo, considerando-o mais eficaz do que a mera anotação no Cartório de Títulos e Documentos. Além disso, o ministro ressalvou que a exigência de registro em Cartório do contrato de alienação fiduciária não é requisito de validade do negócio jurídico. Para as partes signatárias, o acordo entre as partes é perfeito e plenamente válido, independentemente do registro, que, se ausente, traz como única consequência a ineficácia do contrato perante o terceiro de boa-fé.
Cancelamento de financiamento por arrependimento
Os casos em que o adquirente do bem se arrepende e quer cancelar o financiamento também podem parar no Judiciário. A Terceira Turma entendeu ser possível o consumidor exercer o direito de arrependimento nas compras que faz, após a assinatura de contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária. Na decisão, o colegiado aplicou as normas do consumidor à relação jurídica estabelecida entre um banco e um consumidor de São Paulo.
O banco ingressou com pedido de busca e apreensão de um veículo pelo inadimplemento do contrato de financiamento firmado com o consumidor. Este alegou que exerceu o direito de arrependimento previsto no artigo 49 do Código do Consumidor e que jamais teria se imitido na posse do bem dado em garantia. O Tribunal de Justiça estadual entendeu que a regra era inaplicável no caso, pelo fato de o código não servir às instituições bancárias.
Seguindo voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a Turma reiterou o entendimento quanto à aplicação do CDC às instituições financeiras e considerou legítimo o direito de arrependimento. Segundo ela, o consumidor assinou dois contratos, o de compra e venda com uma concessionária de veículos e o de financiamento com o banco. Após a assinatura do contrato de financiamento, ocorrido fora do estabelecimento bancário, o consumidor se arrependeu e enviou notificação no sexto dia após a celebração do negócio.
“De acordo com o artigo 49, o consumidor tem sete dias a contar da assinatura do contrato para desistir do negócio, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial.”, acrescentou.
Liquidação junto ao banco
Empresa de seguros não pode ser responsável pela liquidação de sinistro junto ao banco. Com esse entendimento, a Quarta Turma manteve decisão (REsp 1.141.006) que rejeitou a alegação de ilegitimidade passiva do banco em ação proposta por um espólio e negou pedido de denunciação à lide de uma seguradora.
No caso, o homem firmou um contrato de abertura de crédito com alienação fiduciária junto ao banco Fiat, a fim de adquirir um automóvel. Na ocasião, a celebração do contrato foi condicionada a adesão do consumidor à apólice de seguro da seguradora, pertencente ao mesmo grupo econômico do banco, a qual, em caso de óbito, providenciaria a quitação integral do veículo financiado.
Menos de um ano depois da aquisição do veículo, ele veio a falecer, mas houve negativa de cobertura, ao argumento de que a sua morte ocorrera devido à doença preexistente. Em seguida, o espólio propôs ação diretamente contra o banco, visando à transferência do veículo e à restituição das parcelas pagas indevidamente, no valor de R$ 1.082,76.
No STJ, o banco alegou que a empresa de seguros é responsável pela liquidação do sinistro junto a ele, estando obrigada a indenizar, em ação regressiva, o seu eventual prejuízo, motivo pelo qual obrigatória a denunciação à lide.
Segundo o relator, ministro Luís Felipe Salomão, nem pela lei, nem pelo contrato, há direito do banco de se ressarcir da seguradora. Para ele, não há vínculo contratual nem legal entre as duas pessoas jurídicas. Dessa forma, é incabível eventual pretensão regressiva do banco contra a seguradora, pois, em tese, apenas os autores poderiam ajuizar ação direta contra a seguradora para exigir o cumprimento do contrato de seguro, se assim optassem.
“Portanto, não se trata aqui de garantir direito de regresso do denunciante em face da denunciada, pois a seguradora não está obrigada, seja por lei, seja por contrato, a garantir o resultado da demanda. Os fundamentos que levaram a seguradora, que, repita-se, firmou contrato apenas com a autora, a negar o pagamento do prêmio, sequer estão sendo discutidos na defesa da ação principal”, destacou.
Carro financiado com defeito
Ao julgarem o REsp 1.014.547, o STJ decidiu que a instituição financeira não é responsável pela qualidade do produto adquirido por livre escolha do consumidor mediante financiamento bancário. Com esse entendimento, a Quarta Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que condenou um banco em processo envolvendo a compra de um automóvel.
No caso, a consumidora comprou uma Kombi ano 1999/2000 na empresa Baratão dos Automóveis, instalada no Distrito Federal, com financiamento concedido pelo banco, em 36 parcelas. Como o veículo apresentou uma série de defeitos dentro do prazo de garantia de 90 dias, ela devolveu o veículo e ajuizou ação de rescisão contratual com pedido de indenização por danos morais contra a revendedora e a instituição financeira.
O TJDF rescindiu o contrato de compra e venda e o financiamento e os condenou, solidariamente, a restituir as parcelas já pagas ao banco. Também condenou a empresa de veículos ao pagamento de indenização de R$ 10 mil por danos morais. Para o tribunal, o contrato de financiamento é acessório do contrato de compra e venda, portanto devem ser rescindidos conjuntamente.
O banco recorreu ao STJ alegando que o financiamento é distinto do contrato de compra e venda firmado entre a consumidora e a empresa revendedora e que os defeitos alegados são referentes ao veículo, não caracterizando qualquer irregularidade na prestação do serviço de concessão de crédito. Sustentou, ainda, que por não ter relação com a revendedora o contrato deve ser honrado.
O relator, ministro João Otávio de Noronha destacou que não é licito ao devedor rescindir o contrato e reaver as parcelas pagas de financiamento assegurado por alienação fiduciária, alegando defeito no bem adquirido. Para ele, embora o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) admita a rescisão do contrato de compra e venda de veículo usado, o mesmo não ocorre com o contrato de mútuo, já que a instituição financeira não pode ser tida como fornecedora do bem que lhe foi ofertado como garantia de financiamento.
O ministro ressaltou também que as disposições do CDC incidem sobre a instituição financeira apenas na parte relativa à sua atividade bancária, acrescentando que, quanto a isso, nada foi reclamado. Ele entendeu que, no caso em questão, o banco antecipou dinheiro à consumidora, que o utilizou para comprar o automóvel, sendo certo que o defeito do produto não está relacionado às atividades da instituição financeira, pois toca exclusivamente ao revendedor do veículo.
Por fim, o relator destacou que, ao contrário do entendimento firmado pelo tribunal de origem, o contrato de financiamento não é acessório do contrato de compra e venda, já que os contratos não se vinculam nem dependem um do outro. Com esses argumentos, acolheu o recurso para declarar o contrato celebrado entre as partes válido e eficaz em todos os seus efeitos.
Antigo dono aciona financiador da compra
O banco que financia a compra de veículo não pode ser acionado pelo antigo dono em razão de o comprador ter deixado de transferir o bem e não pagar débitos fiscais e multas posteriores à transação. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os negócios de compra e venda e de mútuo com garantia de alienação fiduciária são autônomos, devendo o banco ser excluído da ação relativa ao primeiro ajuste do qual não participou (REsp 1.025.928)
O antigo proprietário ingressou com ação contra a compradora e o banco financiador, já que não teriam providenciado os registros da alienação e da garantia fiduciária junto ao Detran. Por isso, seu nome foi negativado junto ao Tesouro estadual, em razão de débitos fiscais e multas. O banco teria obtido o direito a apreender o veículo da compradora, tendo ficado com sua propriedade.
As instâncias ordinárias acolheram as alegações do autor, mas o banco recorreu ao STJ alegando que, além de não ter participado do negócio de compra e venda, nunca teve a posse do bem: apesar de a ação de busca e apreensão contra a compradora ter sido julgada procedente, o veículo nunca foi encontrado.
O ministro Massami Uyeda afirmou que a obrigação de transferir o veículo envolve a transação de compra e venda, da qual o banco não tomou parte. Por isso, não seria viável incluí-lo na ação. Por outro lado, o registro de alienação fiduciária diz respeito ao negócio de mútuo, do qual o autor não tomou parte. Nesse caso, ele não poderia tentar responsabilizar a financeira por débitos incidentes sobre o veículo após a venda.
“O fato de o banco ter pagado o financiamento diretamente ao autor não altera a autonomia dos dois negócios jurídicos, que poderiam ter sido feitos até mesmo em épocas diferentes. A falta dos registros junto ao Detran não interferiria no caso, já que tais atos teriam origem em negócios jurídicos dos quais em nenhum momento foram partes, simultaneamente, o banco e o autor”, acrescentou.
Busca e apreensão
No Resp 1.093.501, a Quarta Turma impediu mais um caso de consumidor que compra um veículo, deixa de pagar as parcelas do financiamento e entra com ação revisional alegando a existência de cláusulas abusivas para impedir que o bem financiado seja apreendido. Por unanimidade, o colegiado reformou decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) e concedeu liminar de busca e apreensão em favor de uma financeira.
Segundo o relator, ministro João Otávio de Noronha, não pode prevalecer a tese de que a probabilidade da existência de cláusulas abusivas no contrato bancário com garantia em alienação fiduciária tenha o condão de desqualificar a mora já constituída com a notificação válida, para determinar o sobrestamento do curso da ação de busca e apreensão, esvaziando o instituto legal do Decreto-Lei n. 911/69.
“No caso, os autos atestam que a mora do devedor foi comprovada mediante notificação. Ainda que assim não fosse, cumpre observar que não há conexão nem prejudicialidade externa entre a ação de busca e apreensão e a revisional, porquanto são ações independentes e autônomas nos termos do artigo 56, parágrafo 8º, do Decreto-Lei 911/69”, ressaltou.
Por fim, o relator destacou que a concessão de medida liminar em ação de busca e apreensão decorrente do inadimplemento de contrato com garantia de alienação fiduciária está condicionada exclusivamente à mora do devedor, que, nos termos do artigo 2º, parágrafo 2º, do Decreto-Lei 911/69, poderá ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio de cartório de títulos e documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.
Já no Resp 251.427, a Terceira Turma entendeu que maquinários móveis fixados artificialmente ao solo não podem ser considerados bens imóveis para efeitos de alienação fiduciária. Com essa decisão, a Turma proveu recurso de um banco que movia ação de busca e apreensão contra uma empresa madeireira da cidade de Marabá (PA).
Para o relator do caso, ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a questão abrange o artigo do Código Civil que trata dos bens tidos como imóveis por acessão intelectual, ou seja, aqueles que por vontade do proprietário passam de móveis a imóveis para evitar que sejam separados deste. Por isso, a imobilização realizada pela madeireira não seria definitiva, já que pode ser a qualquer tempo mobilizada, por mera declaração de vontade, retornando a sua anterior condição de coisa móvel. Assim sendo, as máquinas de uma indústria, se destacadas do solo, voltarão a ser móveis. Consequentemente, não há nenhuma restrição de as máquinas da madeireira serem objeto de alienação.
Devedor fiduciante x penhora
No REsp 910.207, a Segunda Turma, entendeu ser possível a incidência de penhora sobre os direitos do executado no contrato de alienação fiduciária, ainda que futuro o crédito. O recurso era da fazenda nacional contra um devedor.
No caso, a fazenda recorreu de decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a qual considerou, “imprescindível, quando se trata de constrição dos direitos do devedor fiduciante, a anuência do credor fiduciário, pois, muito embora seja proprietário resolúvel e possuidor indireto, dispõe o credor das ações que tutelam a propriedade de coisas móveis”.
No recurso, a fazenda alegou ser possível a penhora sobre os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato de alienação fiduciária, independentemente do consentimento do credor fiduciário.
Segundo o relator, ministro Castro Meira, não é viável a penhora sobre bens garantidos por alienação fiduciária, já que não pertencem ao devedor-executado, que é apenas possuidor, com responsabilidade de depositário, mas à instituição financeira que realizou a operação de financiamento. Entretanto é possível recair a constrição executiva sobre os direitos detidos pelo executado no respectivo contrato.
“O devedor fiduciante possui expectativa do direito à futura reversão do bem alienado, em caso de pagamento da totalidade da dívida, ou à parte do valor já quitado, em caso de mora e excussão por parte do credor, que é passível de penhora, nos termos do artigo 11, inciso VIII, da Lei das Execuções Fiscais, que permite a constrição de ‘direitos e ações’”, afirmou.
Restituição de bem apreendido
No contrato de empréstimo garantido com alienação fiduciária, a posse do bem fica com o devedor, mas a propriedade é do credor, conforme determina a lei (Decreto-Lei 911/69). A conclusão da Quarta Turma, no julgamento do Resp 1.287.402, é a de que, se houver inadimplemento, cabe ao credor requerer a busca e apreensão do bem alienado, que será deferida liminarmente. Cinco dias após a execução da liminar, o credor passará a ser o exclusivo possuidor e proprietário do bem (propriedade e posse do bem serão consolidadas no patrimônio do credor).
A discussão começou em uma ação de busca e apreensão ajuizada pelo banco contra devedora devido ao descumprimento do contrato de mútuo, garantido com alienação fiduciária de um automóvel. Uma liminar garantiu o mandado de busca e apreensão do veículo, nomeado o banco como depositário do bem. Citada, a devedora apresentou contestação e reconvenção. Além disso, requereu a juntada do comprovante de depósito no valor das parcelas vencidas e, como consequência, pleiteou a restituição do veículo apreendido. A contadoria constatou que não houve o depósito exato do valor vencido, e o juízo de primeiro grau permitiu à instituição financeira alienar o bem apreendido, o que levou a consumidora a recorrer.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) proveu o recurso para declarar que a complementação do depósito deve levar em consideração as parcelas que venceram no curso da lide e determinou o retorno dos autos ao contador para que realizasse o cálculo, levando em consideração os valores depositados. Inconformado, o banco recorreu ao STJ sustentando que, para a purgação da mora, cumpre ao devedor pagar a integralidade da dívida pendente (parcelas vencidas, vincendas, custas e honorários advocatícios) no prazo legal de cinco dias, sendo inviável o pagamento extemporâneo. Além disso, alegou violação do Decreto-Lei 911/69 e dissídio jurisprudencial.
Para o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, no prazo de cinco dias após a busca e apreensão, para o devedor ter direito à restituição, será necessário o pagamento da integralidade da dívida indicada pelo credor na inicial, hipótese em que o bem será restituído livre de ônus.
“A expressão ‘livre de ônus’ significa que o pagamento deverá corresponder ao débito integral, incluindo as parcelas vincendas e encargos”, acrescentou. O ministro destacou ser essa a interpretação que o STJ vem adotando em relação à alteração decorrente da Lei 10.931/04, que modificou o artigo 3º, parágrafo 2°, do Decreto-Lei 911/69 (“No prazo do parágrafo 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.”), devendo o entendimento ser mantido em prol da segurança jurídica.
O relator ressaltou, ainda, a impossibilidade de restituição do bem apenas com o pagamento das parcelas vencidas, para o prosseguimento do contrato em relação às vincendas, e a inexistência de violação do Código de Defesa do Consumidor nessa previsão legal. Destacou também a importância em observar o regramento legal referente ao contrato de alienação fiduciária, que é importante ferramenta de fomento à economia.
Muitas são as possibilidades de um contrato de alienação ir parar na Justiça. Uma delas é quando o bem é transferido a outra pessoa, sem que o credor, aquele a quem o bem está alienado, tenha conhecimento do fato.
A Quarta Turma, no julgamento do REsp 881.270, apreciou uma questão em que uma pessoa que detinha a posse de um automóvel sem a ciência da financeira, pretendia ver reconhecido o usucapião sobre o bem. A Turma pacificou o entendimento de que a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), é ato de clandestinidade incapaz de motivar a posse (artigo 1.208 do Código Civil de 2002), sendo por isso impossível a aquisição do bem por usucapião.
Em caso idêntico, a Terceira Turma já havia decidido que a posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião pelo adquirente ou pelo cessionário deste, pois a posse pertence ao fiduciante que, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem até que o financiamento seja pago.
Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, com o entendimento pacificado pelas duas Turmas de Direito Privado do STJ, o Judiciário fecha as portas para o uso indiscriminado do instituto do usucapião: “A prosperar a pretensão deduzida nos autos – e aqui não se está a cogitar de má-fé no caso concreto –, abrir-se-ia uma porta larga para se engendrar ardis de toda sorte, tudo com o escopo de se furtar o devedor a pagar a dívida antes contraída. Bastaria a utilização de um intermediário para a compra do veículo e a simulação de uma “transferência” a terceiro com paradeiro até então “desconhecido”, para se requerer, escoado o prazo legal, o usucapião do bem”.
O ministro ressaltou, ainda, que, como nos contratos com alienação fiduciária em garantia o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem são inerentes ao próprio contrato, a transferência da posse direta a terceiros deve ser precedida de autorização porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do credor fiduciário.
“Portanto, quando o bem, garantia da dívida, é transferido a terceiro pelo devedor fiduciante, sem consentimento do credor fiduciário, deve a apreensão do bem pelo terceiro ser considerada como ato clandestino, por ser praticado às ocultas de quem se interessaria pela recuperação do bem”, destacou.
Já no REsp 686.932, a Primeira Turma concluiu que o registro do contrato de alienação fiduciária no Cartório de Títulos e Documentos, previsto na Lei de Registros Públicos, não oferece condição para a transferência da propriedade do bem, procedimento tendente a emprestar publicidade e efeito ao ato. Assim, os ministros negaram recurso da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) contra o Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Paraná (Detran/PR).
O relator, ministro Luiz Fux, destacou a eficácia do registro no licenciamento do veículo, considerando-o mais eficaz do que a mera anotação no Cartório de Títulos e Documentos. Além disso, o ministro ressalvou que a exigência de registro em Cartório do contrato de alienação fiduciária não é requisito de validade do negócio jurídico. Para as partes signatárias, o acordo entre as partes é perfeito e plenamente válido, independentemente do registro, que, se ausente, traz como única consequência a ineficácia do contrato perante o terceiro de boa-fé.
Cancelamento de financiamento por arrependimento
Os casos em que o adquirente do bem se arrepende e quer cancelar o financiamento também podem parar no Judiciário. A Terceira Turma entendeu ser possível o consumidor exercer o direito de arrependimento nas compras que faz, após a assinatura de contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária. Na decisão, o colegiado aplicou as normas do consumidor à relação jurídica estabelecida entre um banco e um consumidor de São Paulo.
O banco ingressou com pedido de busca e apreensão de um veículo pelo inadimplemento do contrato de financiamento firmado com o consumidor. Este alegou que exerceu o direito de arrependimento previsto no artigo 49 do Código do Consumidor e que jamais teria se imitido na posse do bem dado em garantia. O Tribunal de Justiça estadual entendeu que a regra era inaplicável no caso, pelo fato de o código não servir às instituições bancárias.
Seguindo voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a Turma reiterou o entendimento quanto à aplicação do CDC às instituições financeiras e considerou legítimo o direito de arrependimento. Segundo ela, o consumidor assinou dois contratos, o de compra e venda com uma concessionária de veículos e o de financiamento com o banco. Após a assinatura do contrato de financiamento, ocorrido fora do estabelecimento bancário, o consumidor se arrependeu e enviou notificação no sexto dia após a celebração do negócio.
“De acordo com o artigo 49, o consumidor tem sete dias a contar da assinatura do contrato para desistir do negócio, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial.”, acrescentou.
Liquidação junto ao banco
Empresa de seguros não pode ser responsável pela liquidação de sinistro junto ao banco. Com esse entendimento, a Quarta Turma manteve decisão (REsp 1.141.006) que rejeitou a alegação de ilegitimidade passiva do banco em ação proposta por um espólio e negou pedido de denunciação à lide de uma seguradora.
No caso, o homem firmou um contrato de abertura de crédito com alienação fiduciária junto ao banco Fiat, a fim de adquirir um automóvel. Na ocasião, a celebração do contrato foi condicionada a adesão do consumidor à apólice de seguro da seguradora, pertencente ao mesmo grupo econômico do banco, a qual, em caso de óbito, providenciaria a quitação integral do veículo financiado.
Menos de um ano depois da aquisição do veículo, ele veio a falecer, mas houve negativa de cobertura, ao argumento de que a sua morte ocorrera devido à doença preexistente. Em seguida, o espólio propôs ação diretamente contra o banco, visando à transferência do veículo e à restituição das parcelas pagas indevidamente, no valor de R$ 1.082,76.
No STJ, o banco alegou que a empresa de seguros é responsável pela liquidação do sinistro junto a ele, estando obrigada a indenizar, em ação regressiva, o seu eventual prejuízo, motivo pelo qual obrigatória a denunciação à lide.
Segundo o relator, ministro Luís Felipe Salomão, nem pela lei, nem pelo contrato, há direito do banco de se ressarcir da seguradora. Para ele, não há vínculo contratual nem legal entre as duas pessoas jurídicas. Dessa forma, é incabível eventual pretensão regressiva do banco contra a seguradora, pois, em tese, apenas os autores poderiam ajuizar ação direta contra a seguradora para exigir o cumprimento do contrato de seguro, se assim optassem.
“Portanto, não se trata aqui de garantir direito de regresso do denunciante em face da denunciada, pois a seguradora não está obrigada, seja por lei, seja por contrato, a garantir o resultado da demanda. Os fundamentos que levaram a seguradora, que, repita-se, firmou contrato apenas com a autora, a negar o pagamento do prêmio, sequer estão sendo discutidos na defesa da ação principal”, destacou.
Carro financiado com defeito
Ao julgarem o REsp 1.014.547, o STJ decidiu que a instituição financeira não é responsável pela qualidade do produto adquirido por livre escolha do consumidor mediante financiamento bancário. Com esse entendimento, a Quarta Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) que condenou um banco em processo envolvendo a compra de um automóvel.
No caso, a consumidora comprou uma Kombi ano 1999/2000 na empresa Baratão dos Automóveis, instalada no Distrito Federal, com financiamento concedido pelo banco, em 36 parcelas. Como o veículo apresentou uma série de defeitos dentro do prazo de garantia de 90 dias, ela devolveu o veículo e ajuizou ação de rescisão contratual com pedido de indenização por danos morais contra a revendedora e a instituição financeira.
O TJDF rescindiu o contrato de compra e venda e o financiamento e os condenou, solidariamente, a restituir as parcelas já pagas ao banco. Também condenou a empresa de veículos ao pagamento de indenização de R$ 10 mil por danos morais. Para o tribunal, o contrato de financiamento é acessório do contrato de compra e venda, portanto devem ser rescindidos conjuntamente.
O banco recorreu ao STJ alegando que o financiamento é distinto do contrato de compra e venda firmado entre a consumidora e a empresa revendedora e que os defeitos alegados são referentes ao veículo, não caracterizando qualquer irregularidade na prestação do serviço de concessão de crédito. Sustentou, ainda, que por não ter relação com a revendedora o contrato deve ser honrado.
O relator, ministro João Otávio de Noronha destacou que não é licito ao devedor rescindir o contrato e reaver as parcelas pagas de financiamento assegurado por alienação fiduciária, alegando defeito no bem adquirido. Para ele, embora o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) admita a rescisão do contrato de compra e venda de veículo usado, o mesmo não ocorre com o contrato de mútuo, já que a instituição financeira não pode ser tida como fornecedora do bem que lhe foi ofertado como garantia de financiamento.
O ministro ressaltou também que as disposições do CDC incidem sobre a instituição financeira apenas na parte relativa à sua atividade bancária, acrescentando que, quanto a isso, nada foi reclamado. Ele entendeu que, no caso em questão, o banco antecipou dinheiro à consumidora, que o utilizou para comprar o automóvel, sendo certo que o defeito do produto não está relacionado às atividades da instituição financeira, pois toca exclusivamente ao revendedor do veículo.
Por fim, o relator destacou que, ao contrário do entendimento firmado pelo tribunal de origem, o contrato de financiamento não é acessório do contrato de compra e venda, já que os contratos não se vinculam nem dependem um do outro. Com esses argumentos, acolheu o recurso para declarar o contrato celebrado entre as partes válido e eficaz em todos os seus efeitos.
Antigo dono aciona financiador da compra
O banco que financia a compra de veículo não pode ser acionado pelo antigo dono em razão de o comprador ter deixado de transferir o bem e não pagar débitos fiscais e multas posteriores à transação. Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os negócios de compra e venda e de mútuo com garantia de alienação fiduciária são autônomos, devendo o banco ser excluído da ação relativa ao primeiro ajuste do qual não participou (REsp 1.025.928)
O antigo proprietário ingressou com ação contra a compradora e o banco financiador, já que não teriam providenciado os registros da alienação e da garantia fiduciária junto ao Detran. Por isso, seu nome foi negativado junto ao Tesouro estadual, em razão de débitos fiscais e multas. O banco teria obtido o direito a apreender o veículo da compradora, tendo ficado com sua propriedade.
As instâncias ordinárias acolheram as alegações do autor, mas o banco recorreu ao STJ alegando que, além de não ter participado do negócio de compra e venda, nunca teve a posse do bem: apesar de a ação de busca e apreensão contra a compradora ter sido julgada procedente, o veículo nunca foi encontrado.
O ministro Massami Uyeda afirmou que a obrigação de transferir o veículo envolve a transação de compra e venda, da qual o banco não tomou parte. Por isso, não seria viável incluí-lo na ação. Por outro lado, o registro de alienação fiduciária diz respeito ao negócio de mútuo, do qual o autor não tomou parte. Nesse caso, ele não poderia tentar responsabilizar a financeira por débitos incidentes sobre o veículo após a venda.
“O fato de o banco ter pagado o financiamento diretamente ao autor não altera a autonomia dos dois negócios jurídicos, que poderiam ter sido feitos até mesmo em épocas diferentes. A falta dos registros junto ao Detran não interferiria no caso, já que tais atos teriam origem em negócios jurídicos dos quais em nenhum momento foram partes, simultaneamente, o banco e o autor”, acrescentou.
Busca e apreensão
No Resp 1.093.501, a Quarta Turma impediu mais um caso de consumidor que compra um veículo, deixa de pagar as parcelas do financiamento e entra com ação revisional alegando a existência de cláusulas abusivas para impedir que o bem financiado seja apreendido. Por unanimidade, o colegiado reformou decisão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) e concedeu liminar de busca e apreensão em favor de uma financeira.
Segundo o relator, ministro João Otávio de Noronha, não pode prevalecer a tese de que a probabilidade da existência de cláusulas abusivas no contrato bancário com garantia em alienação fiduciária tenha o condão de desqualificar a mora já constituída com a notificação válida, para determinar o sobrestamento do curso da ação de busca e apreensão, esvaziando o instituto legal do Decreto-Lei n. 911/69.
“No caso, os autos atestam que a mora do devedor foi comprovada mediante notificação. Ainda que assim não fosse, cumpre observar que não há conexão nem prejudicialidade externa entre a ação de busca e apreensão e a revisional, porquanto são ações independentes e autônomas nos termos do artigo 56, parágrafo 8º, do Decreto-Lei 911/69”, ressaltou.
Por fim, o relator destacou que a concessão de medida liminar em ação de busca e apreensão decorrente do inadimplemento de contrato com garantia de alienação fiduciária está condicionada exclusivamente à mora do devedor, que, nos termos do artigo 2º, parágrafo 2º, do Decreto-Lei 911/69, poderá ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio de cartório de títulos e documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.
Já no Resp 251.427, a Terceira Turma entendeu que maquinários móveis fixados artificialmente ao solo não podem ser considerados bens imóveis para efeitos de alienação fiduciária. Com essa decisão, a Turma proveu recurso de um banco que movia ação de busca e apreensão contra uma empresa madeireira da cidade de Marabá (PA).
Para o relator do caso, ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a questão abrange o artigo do Código Civil que trata dos bens tidos como imóveis por acessão intelectual, ou seja, aqueles que por vontade do proprietário passam de móveis a imóveis para evitar que sejam separados deste. Por isso, a imobilização realizada pela madeireira não seria definitiva, já que pode ser a qualquer tempo mobilizada, por mera declaração de vontade, retornando a sua anterior condição de coisa móvel. Assim sendo, as máquinas de uma indústria, se destacadas do solo, voltarão a ser móveis. Consequentemente, não há nenhuma restrição de as máquinas da madeireira serem objeto de alienação.
Devedor fiduciante x penhora
No REsp 910.207, a Segunda Turma, entendeu ser possível a incidência de penhora sobre os direitos do executado no contrato de alienação fiduciária, ainda que futuro o crédito. O recurso era da fazenda nacional contra um devedor.
No caso, a fazenda recorreu de decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a qual considerou, “imprescindível, quando se trata de constrição dos direitos do devedor fiduciante, a anuência do credor fiduciário, pois, muito embora seja proprietário resolúvel e possuidor indireto, dispõe o credor das ações que tutelam a propriedade de coisas móveis”.
No recurso, a fazenda alegou ser possível a penhora sobre os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato de alienação fiduciária, independentemente do consentimento do credor fiduciário.
Segundo o relator, ministro Castro Meira, não é viável a penhora sobre bens garantidos por alienação fiduciária, já que não pertencem ao devedor-executado, que é apenas possuidor, com responsabilidade de depositário, mas à instituição financeira que realizou a operação de financiamento. Entretanto é possível recair a constrição executiva sobre os direitos detidos pelo executado no respectivo contrato.
“O devedor fiduciante possui expectativa do direito à futura reversão do bem alienado, em caso de pagamento da totalidade da dívida, ou à parte do valor já quitado, em caso de mora e excussão por parte do credor, que é passível de penhora, nos termos do artigo 11, inciso VIII, da Lei das Execuções Fiscais, que permite a constrição de ‘direitos e ações’”, afirmou.
Restituição de bem apreendido
No contrato de empréstimo garantido com alienação fiduciária, a posse do bem fica com o devedor, mas a propriedade é do credor, conforme determina a lei (Decreto-Lei 911/69). A conclusão da Quarta Turma, no julgamento do Resp 1.287.402, é a de que, se houver inadimplemento, cabe ao credor requerer a busca e apreensão do bem alienado, que será deferida liminarmente. Cinco dias após a execução da liminar, o credor passará a ser o exclusivo possuidor e proprietário do bem (propriedade e posse do bem serão consolidadas no patrimônio do credor).
A discussão começou em uma ação de busca e apreensão ajuizada pelo banco contra devedora devido ao descumprimento do contrato de mútuo, garantido com alienação fiduciária de um automóvel. Uma liminar garantiu o mandado de busca e apreensão do veículo, nomeado o banco como depositário do bem. Citada, a devedora apresentou contestação e reconvenção. Além disso, requereu a juntada do comprovante de depósito no valor das parcelas vencidas e, como consequência, pleiteou a restituição do veículo apreendido. A contadoria constatou que não houve o depósito exato do valor vencido, e o juízo de primeiro grau permitiu à instituição financeira alienar o bem apreendido, o que levou a consumidora a recorrer.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) proveu o recurso para declarar que a complementação do depósito deve levar em consideração as parcelas que venceram no curso da lide e determinou o retorno dos autos ao contador para que realizasse o cálculo, levando em consideração os valores depositados. Inconformado, o banco recorreu ao STJ sustentando que, para a purgação da mora, cumpre ao devedor pagar a integralidade da dívida pendente (parcelas vencidas, vincendas, custas e honorários advocatícios) no prazo legal de cinco dias, sendo inviável o pagamento extemporâneo. Além disso, alegou violação do Decreto-Lei 911/69 e dissídio jurisprudencial.
Para o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, no prazo de cinco dias após a busca e apreensão, para o devedor ter direito à restituição, será necessário o pagamento da integralidade da dívida indicada pelo credor na inicial, hipótese em que o bem será restituído livre de ônus.
“A expressão ‘livre de ônus’ significa que o pagamento deverá corresponder ao débito integral, incluindo as parcelas vincendas e encargos”, acrescentou. O ministro destacou ser essa a interpretação que o STJ vem adotando em relação à alteração decorrente da Lei 10.931/04, que modificou o artigo 3º, parágrafo 2°, do Decreto-Lei 911/69 (“No prazo do parágrafo 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.”), devendo o entendimento ser mantido em prol da segurança jurídica.
O relator ressaltou, ainda, a impossibilidade de restituição do bem apenas com o pagamento das parcelas vencidas, para o prosseguimento do contrato em relação às vincendas, e a inexistência de violação do Código de Defesa do Consumidor nessa previsão legal. Destacou também a importância em observar o regramento legal referente ao contrato de alienação fiduciária, que é importante ferramenta de fomento à economia.
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