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quarta-feira, 16 de julho de 2014



A lei da palmada e a demasiada intervenção estatal sobre o poder familiar



Quando tratamos de poder familiar temos que analisar paralelamente duas variáveis, quais sejam: o aspecto afetivo das relações entre pais e filhos, bem como a ingerência do estado em tais relações. Neste diapasão, o Estado assume papel cada vez mais importante, mormente quando os direitos dos filhos se revestem de status constitucional de prioridade absoluta.
Hodiernamente a atuação do Estado no poder familiar é cada vez mais forte e isso se justifica pela adoção da doutrina de proteção integral da criança e do adolescente expressa na Constituição Federal de 1988. Ao longo do tempo vigorou a ideia de que a criança só tornava relevante para o Estado quando cometia algum delito ou quando era abandonada. De resto, a autonomia dos pais era muito ampla com base de que eles seriam ou deveriam ser os mais interessados no bem-estar moral e material dos filhos.
Desta forma, a intervenção Estatal se encontra na formulação e execução da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, que se fará também com parceria da sociedade. No mais, se limita na sua atuação à seara negativa de atuação dos pais quando forem violados os direitos da criança e do adolescente, no qual se fará através de seus órgãos judiciais (juízo da infância e da juventude) e extrajudiciais (conselhos tutelares) atuando de maneira repressiva e preventiva consoante o que dispõe o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Não obstante, apesar de todas essas intervenções estatais para preservar os direitos da criança e do adolescente, os pais tem seu espaço reservado e próprio. Não se pode admitir a família sem entregar aos pais a responsabilidade em primeiro lugar. Assim preceitua o artigo 1513 do código civil:
Art. 1513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.
Assim, no plano da licitude e responsabilidade os pais têm o livre arbítrio na condução da educação e administração dos bens do menor por ser direito da própria criança como aduz o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Portanto, apesar de toda ingerência do Estado, diante do interesse maior da criança e do adolescente, o poder familiar permanece como o órgão insubstituível de proteção do incapaz.
Diante desse panorama surge a discussão sobre os projetos de leis nº 2654/2003 e 7672/2010 popularmente conhecidas como “Lei da Palmada” ou “Lei menino Bernardo” a despeito do confronto entre o poder familiar e a intervenção do Estado e seus limites.
Os aludidos projetos de lei visam garantir o direito de uma criança ou jovem de ser educado sem o uso de castigos corporais, seja moderados ou imoderados que resultem em dor.
O projeto de Lei nº 2654/2003 em seu artigo 1º modifica o ECA acrescentando novas disposições.
Art. 18 – A – Criança e o adolescente têm direito a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, no lar, na escola, em instituição de atendimento público ou privado ou em locais públicos.
(...)
Já o projeto de Lei nº 7672/2010, modifica outros artigos:
Art. 17-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou qualquer outro pretexto.
Parágrafo único. Para efeitos desta Lei, considera-se:
I – castigo corporal: Ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.
II – tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente.
Art. 17-B. Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis ou qualquer outra pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar crianças e adolescentes que utilizarem castigo corporal ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina educação, ou a qualquer outro pretexto estarão sujeitos às medidas previstas no art. 129, incisos I, III, IV, VI e VII, desta lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
(...).
Nota-se na redação dos projetos de lei uma demasiada interferência na família no tocante à educação dos filhos, coibindo, inclusive, a famosa palmada corretiva largamente utilizada pelos núcleos familiares no Brasil e no mundo.
É nítida a intenção do legislador em aniquilar a “palmada”, “beliscão”, “puxão de orelha”, etc., tornando qualquer criança “absolutamente intocável”, isso porque nas agressões já existe proteção Estatal coibindo abusos a exemplo do crime de maus-tratos, tortura, lei Maria da Penha.
Acrescente-se que mesmo tendo o Estado garantido por intermédio da Constituição Federal a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, deve fazê-lo com vistas ao princípio da intervenção mínima no direito de família.
Esse importante princípio aduz que a intervenção do Estado deve ser mínima na família, justificando somente em casos para proteção de garantias constitucionais. Assim, a família, a base da sociedade, tem proteção especial do Estado, mas não sua interferência direta.
Nessa senda, não deve o Estado retirar a base socioeducativa da família, como bem estuda Pablo Stolze e Pamplona Filho:
“Ao estado não cabe intervir no âmbito do Direito de Família ao ponto de aniquilar a sua base socioeducativa.”
Seu papel deve-se restringir como um modelo de assistência, e não de interferência agressiva, tal como se dá na previsão do planejamento familiar, que é de livre decisão do casal, ou na adoção de políticas de incentivo à colocação de crianças e adolescentes no seio de famílias substitutas.
É bem verdade que a família deve observar as garantias constitucionais de proteção a crianças e adolescentes no momento da educação, porém, o método utilizado é direito exclusivo dos pais, não cabendo ao Estado ponderar o que é adequado ou não. A família tem o direito de ter seus próprios valores e os meios de dar eficácia a educação dos seus filhos.
Foge de qualquer propósito ditar aos cidadãos como eles devem educar sua prole. Ao Estado cabe fornecer escola gratuita, salvaguardar a liberdades das famílias não podendo chocar com a legítima pretensão dos pais de educar os seus próprios filhos em consonância com os bens que eles defendem.
Assim, o mencionado projeto de lei fere frontalmente os direitos dos pais de educarem seus filhos, podendo ser, portanto, considerada inconstitucional se for interpretada de maneira rigorosa.

–Tiago Marques do Nascimento –Advogado. OAB/PI 7797Pós-graduado em ciências criminais e direito previdenciário.
http://tiagomarques171.jusbrasil.com.br/artigos/124512795/a-lei-da-palmada-e-a-demasiada-intervencao-estatal-sobre-o-poder-familiar

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